Penal · agosto 2, 2024

Ameaça proferida em momento de cólera ou ira reflete na tipicidade do crime de ameaça?

O STJ decide que não.

O fato de ameaças serem proferidas em um contexto de cólera ou ira entre o autor e a vítima não afasta a tipicidade do delito.

Informações do Inteiro Teor

Trata-se de imputação da prática do crime de ameaça (art. 147 do Código Penal) em contexto de violência doméstica contra a mulher.

Registra-se que o delito deve ser analisado tendo como norte interpretativo a Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), pois trata-se de marco normativo de proteção à mulher em circunstância de violência doméstica e familiar

No caso, a defesa alegou que o delito de ameaça não ficou configurado, pois houve a expressão de um sentimento de raiva, comum no contexto de discussões acaloradas.

Tal alegação não deve prosperar, uma vez que o fato de a promessa de mal injusto e grave ter sido proferida em momento de cólera ou ira não exclui, per se, o escopo de amedrontar a vítima nem enfraquece a sobriedade da ameaça.

Conforme leciona a doutrina, “partimos do conceito de dolo no delito de ameaça, consistente na vontade de expressar o prenúncio de mal injusto e grave a alguém, visando à sua intimidação. Se o dolo próprio do delito é esse, não fica excluído quando o sujeito procede sem ânimo calmo e refletido”.

Neste sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: o fato de as ameaças terem sido proferidas em um contexto de altercação entre o autor e as vítimas não retira a tipicidade do delito. Além disso, o crime de ameaça é de natureza formal consumando-se com o resultado da ameaça, ou seja, com a intimidação sofrida pelo sujeito passivo ou simplesmente com a idoneidade intimidativa da ação, sendo desnecessário o efetivo temor de concretização. (HC n. 437.730/DF, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 1º/8/2018).

No caso, a análise das provas, nas quais se verifica o comportamento agressivo do réu, conjugadas com as declarações da vítima, demonstram que não se tratava de uma singela ou inofensiva discussão entre marido e mulher, pois quando “há violência, não há nada de relação de afetividade; é relação de poder, é briga por poder, é saber quem manda” nas palavras da Ministra Carmen Lúcia (STF, ADC n. 19, Tribunal Pleno, julgado em 9/2/2012).

Entender o contrário é banalizar a violência contra a mulher e desprezar todo o empenho e a construção jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça no sentido de dar plena efetividade à Lei n. 11.340/2006 e responsabilização dos agressores, sempre com absoluto respeito aos corolários do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.

No entendimento jurisprudencial do STJ, demonstrada a violência – em qualquer das formas constantes no rol exemplificativo do art. 7º da Lei n. 11.340/2006 -, a vulnerabilidade da vítima mulher é presumida, pois tal situação é intrínseca à própria violência, que a atinge nas mais diversas dimensões pessoais.

Por fim, o STJ possui jurisprudência de que “a palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos presentes nos autos, possui relevante valor probatório, especialmente em crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher”. (AgRg no AREsp n. 2.285.584/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 15/8/2023, DJe 18/8/2023).

Fonte: Edição Extraordinária nº 21; Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 10/6/2024, DJe 26/6/2024.